A tendência geral de “urbanização” do planeta vai na direção de
empreendimentos autistas e irresponsáveis em termos urbanísticos, ambientais e sociais.
Mesmo que se apresentem como "ecológicos", a enorme maioria da infinidade de operações de especulação imobiliária que invadem as cidades de todos os continentes, o certo é que são um atentado contra os processos vitais da vida em sociedade. Vão claramente contra a "living city"
Dubai, Emirados Árabes; ausência de vínculo entre torres autistas.
Falta-lhes "vínculo urbano na base".
Nisto se incluem tanto os "Alphavilles" de São Paulo como as "torres country" de Buenos Aires, as “urbanizaciones” de Caracas, os “desarrollos” de Ciudad de México, os “condomínios fechados” do Rio de Janeiro, as torres autistas de Dubai, o sprawl de Los Angeles e todas as “casinhas” (por maiores que elas sejam) construídas tanto pela especulação imobiliária quanto pelo próprio poder público em intervenções não-inteligentes espalhadas por toda a superfície do planeta.
Esta atitude desurbanizante demanda reflexão crítica e reflexão teórica, reorientação do ensino, e mudança nas práticas públicas e privadas, incluindo a utilização de todos os meios disponíveis, e especialmente dos "meios de comunicação".
Tem se falado muito contra o “sprawl” da maioria das metrópoles contemporâneas, mas continua se fazendo muito pouco contra isso. Há uma espécie de inércia generalizada.
A "apropriação do espaço" é uma questão de sociólogos; No urbanismo não se trata disso. A rua é quando as casas se afastam, e "deixam passar" entre o construído e entre um e outra edificação. Hoje as ruas tem se tornado unicamente um lugar de transporte e não de encontro. Circular é diferente de marchar, deambular, flanar.
Alguns princípios básicos para redirecionar a situação atual poderiam ser sintetizados da seguinte maneira:
- promover a cidade compacta contra a cidade dispersa;
- densificar tanto quanto possível;
- reciclar e reutilizar instalações e edificações existentes desaproveitadas;
- articular o físico, o social e o ecológico no mesmo ato projetual;
- promover o debate geral da sociedade sobre as questões da cidade, da urbanidade e do espaço público;
- pensar solidária e generosamente sobre a sociedade e a cidade contemporânea;
- exigir das autoridades a prestação de contas dos gastos/investimentos (accountability).
A rigor, pouca coisa do realizado nas ultimas décadas pode ser chamado, em sã consciência, de urbanismo.
Por isso é que se necessita mais da atitude do bricoleur do que do “planejador”. É necessário repensar o uso inventivo do existente (tanto ponto de vista dos investimentos privados quanto públicos), desde a ótica do interesse social. É necessário reflexionar ao mesmo tempo sobre os efeitos socio-espaciais das iniciativas e sobre a qualidade do que resultará. Pensar no que vai se fazer, sobre quais bases (objetivos) considerando os meios disponíveis buscando superar limitações (sociais, técnicas e econômicas, mas sobretudo mentais). Se perguntar quem é que está pensando, em benefício do que, e em quais escalas.
Em geral, e dominantemente, o que se alastra como uma erva danosa a escala territorial, é uma ocupação suicida do território que atenta contra a vida social e o meio ambiente.
É imprescindível elaborar estratégias de pensamento sobre como conceitualizar a cidade em tanto que "organismo em processo" (Elizabeth Blum, An Architektur, Produktion und Gebrauch gebauter Umwelt, nº 18, p.102, September 2007, Berlin).
É necessário que a sociedade reacione à manipulação irresponsável dos especuladores (econômicos e políticos) que tomam decisões sobre a vida das pessoas impunemente e fazem desejar (e comprar) coisas que não só não precisam senão que são neuralgicamente negativas à vida social e à inteligência no uso dos recursos, ao resultado para a configuração do nosso hábitat de maneira responsável e solidária, e ao encaminhamento na direção de uma vida social com sentido de conjunto, não pensando somente na saída individual como atitude geral frente à vida.
Assim, se trata de repensar simultaneamente as noções de civilidade, de cidadania e de espaço compartido.Ou pensamos como tripulantes do mesmo barco, ou as condições negativas do individualismo, do produtivismo e do consumismo continuarão a ameaçar a nossa existência.
E o caminho para realizar isto é combater a negligencia tanto do poder publico quanto da “iniciativa privada”, o imediatismo das decisões que já tem mostrado seu efeito devastador, irreparável.
Densificar a cidade implica repensar o habitat e construir a partir de uma reflexão. Necessidades verdadeiras e cidades difíceis, demandam soluções bem meditadas.A cidade densa é a condição necessária para permitir uma alternativa crível à utilização do automóvel.
Os 4 princípios para a vitalidade das cidades, de acordo com Jane Jacobs, são:
- a mistura de usos,
- as ruas frequentadas,
- edifícios variados,
- densidade suficiente.
Fila sem fim de casas individuais, condomínios fechados, campos de golfe, shopping centers, nas periferias das cidades ou em áreas muito afastadas; enormes lixeiras contaminantes, extensos estacionamentos em supermercados e igrejas, etc, produto de um urbanismo "plan and play", constituem uma paisagem desoladora.
Loteamentos urbanisticamente cancerígenos, produto de financiamentos "subprimes" de uma sociedade destrutiva e doente (mesmo que cheia de "health clubs e Spas") indicam um caminho de perda de laços sociais, do espírito de vizinhança e do sentido de comunidade, com o desperdício de espaço e de recursos, e daí surge a inevitável exigência de modificação de um "way of life" que demanda horas inúteis dentro de veículos para ir de um lugar de atividade a sua residência, ou ao "lazer" de fim de semana; ou os deslocamentos a centros de compra. Tudo isso indica que estamos em um momento de transição que exige uma séria reorientação do modo de organizar nosso hábitat. Ou as coisas continuarão inevitavelmente piorando.
Esse "modelo" entrou definitivamente em "recessão".
É urgente redirecionar o nosso devir urbano!!!
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