Pela Absolvição de São Pedro

A maior chuva dos últimos 44 anos trouxe o caos ao Rio de Janeiro. Mais de 140 mortes por enquanto, milhares de desabrigados, etc
De quem é a culpa? Da natureza? De São Pedro? Da imprudência dos moredores?

A tempestade que assolou o Rio de Janeiro esta semana (a maior registrada nos últimos 44 anos) trazendo prejuízos materiais ainda incalculados, mais de 140 mortos (até o momento), milhares de desabrigados, enfim o caos ao Estado do Rio de Janeiro, chocou a população brasileira.

Toda a mídia tem feito uma grande cobertura deste lamentável acontecimento, mostrando o drama das famílias que perderam suas casas e familiares, pessoas abrigadas em alojamentos improvisados, ruas que se transformam em rios e todo o transtorno à população. A grande mídia tem explicado constantemente esta catástrofe por fatores geográficos e meteorológicos: uma quantidade de chuvas muito acima do esperado e à geografia da região metropolitana do Rio de Janeiro, principalmente a capital, expremida entre o mar e a montanha, onde a ocupação do solo naturalmente tenderia aos morros, o que a deixaria vulnerável em tempestades como a que ocorreu.


Em consonância com o discurso da grande mídia está o governamental (todas as esferas), que foi o de atribuir a catástrofe à chuva e pedir para que a população que vive em áreas de risco, que são dezenas de milhares (nem o Estado tem esse número mais precisamente devido ao seu grande crescimento) deixasse suas casas, quase atribuindo o grande número de mortos á imprudência dos moradores destas áreas.

De fato a tempestade prejudicou toda a população da Região metropolitana do Rio de janeiro, mas é aí que entra a minha questão: quem morreu? Quem perdeu suas casas? Quem teve que deixar suas casas para procurar abrigo? Foi toda a cidade indiscriminadamente? Ou melhor, foram os moradores da Lagoa ou do Jardim Botânico? Não. Foram, como sempre os pobres, os favelados (Morro da Mangueira, Morro dos Macacos, moro do Boréu, Morro do Turano no Rio de Janeiro; morro do Estado, em Niterói, etc), pois a ocupação do espaço urbano é determinada socialmente, não é ao acaso. Parte da população é obrigada a morar em favelas, em condições precárias.

Quando se fala na cidade do Rio de janeiro de uma forma generalista, se esconde as contradições desta: as desigualdades socioeconômicas, espaciais, a favelização (que atinge mais de 20% da população carioca), a precariedade dos transportes, etc. Nenhum debate foi levantado na grande mídia sobre o porquê do crescimento das favelas, da infra-estrutura precária da “cidade maravilhosa”.

Para parte significativa da população só restam duas opções: ou morar na periferia das cidades ou em favelas próximas aos locais de trabalho, pois como grande parte dos empregos se localizam nos centros urbanos, gera-se uma pressão pela ocupação deste solo. Na disputa, com a especulação imobiliária, essas localidades se valorizam e os pobres são “empurrados” para as favelas, pois os transportes caros (Metrô a R$2,80; trem a R$2,45; ônibus a R$2,35 – valor que aumenta de acordo com a localidade da região metropolitana, podendo chegar a R$9,00 dentro do próprio município do Rio de Janeiro) e deficitários dificultam muito a dispersão populacional, o que faz o município do Rio de Janeiro ter uma das maiores densidades demográficas do Brasil.

Aos que explicam o caos destes últimos dias pela geografia da cidade eu pergunto: e as localidades espalhadas pelo globo que convivem com adversidades naturais muito piores do que o Rio de Janeiro, como Tóquio e seus terremotos, Holanda com quase metade do seu território abaixo do nível do mar, Israel, que tem uma agricultura relativamente fértil no deserto? Porquê não vemos catástrofes como a que tivemos nestes locais? Os homens podem não dominar a natureza por completo, mas sempre buscou (e assim deve ser) se adaptar a ela e usa-la em seu benefício. Não podemos aceitar a argumentação de culpa da natureza, pois essas chuvas foram mais intensas que as dos outros anos, mas sempre ocorreram e sempre houve mortes e desabrigados nas favelas.

Então, pelo exposto, peço que absolvam São Pedro. Ele não tem culpa da segregação sócio-espacial.

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2 Comentários

  1. ótimo texto cara, no tempo do brasil colonial a holanda já tinha tecnologia para construir cidades em terrenos como o Rio de Janeiro.

    texto muito bom cara.

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  2. Obrigado amigo1 O argumento naturalista é ridículo mesmo. Ontem mesmo o prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira, disse que "Não tem culpa de ter chovido tanto".

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