Arquitetura Nomade Urbanismo Estático


Algo que li esta semana que se passou me obrigou a deixar aqui algumas ponderações sobre o que está sendo pensado para o futuro de nossa cidade Maravilhosa - assim segue minha resposta ao texto arquitetura nomade assinado pelo  prefeito Eduardo Paes e Washington Fajardo(que segue em itálico)

Há uma proteína no DNA no Rio de Janeiro que é muito rara: ousadia. É só olhar para a cidade, que nos últimos tempos se transformou em um canteiro de obras. É preciso ter paciência, é verdade. Mas o término do conjunto de intervenções que a prefeitura está promovendo vai reposicionar a Cidade Maravilhosa no século XXI. Estamos paulatinamente corrigindo a assimetria da qualidade dos serviços públicos: mobilidade, saneamento, equipamentos de saúde e educação, revitalização de espaços públicos. Estamos criando uma nova rede, mais bem distribuída e com maior coesão e eficiência. É o fim da cidade partida.

Tenho um certo medo destes discursos políticos que misturam questões biológicas com quetões políticas, assim nasceram os programas sanitaristas cujo maior impacto que promoveu na cidade foi justamente deixá-la mais partida, também por estes pensamentos de mistura entre biologia e política os nazistas se alimentaram em sua luta utópica pelo povo puro .  Porém o que quero trazer sobre este primeiro parágrafo é um questionamento:  O parágrafo deixa claro que a meta do governo é alcançar o fim da cidade partida, porém ao analisarmos as obras sob as quais estamos  vivendo é possível enxergarmos a busca da unidade carioca? Metrôs lineares, remoções de pobreza para periferias da cidade e especulações imobiliárias estratégicas seriam ferramentas capazes de produzir uma cidade mais justa, com riquezas e trabalhos mais bem distribuídos? 

Não considero o canteiro  de obras o maior dos problemas, mas sim as características e impactos que tais obras trarão a cidade, como está sendo decidido os rumos de tais obras, quem tem o direito a terra e quem não tem, como são definidas as áreas mais “dignas” a merecer um determinado empreendimento, qual instrumental de debate com a população está sendo usado para produção de toda esta transformação; pois isto sim seriam alguns fatores realmente preocupantes para o futuro da cidade.

Temos na memória viva da cidade, situações complicadíssimas; conseqüência de políticas de desenvolvimento urbano vendidas a população aparentemente como soluções progressistas e revolucionárias como as que vemos nos dias de hoje.  Utilizando-se do discurso de progresso e do instrumento de redesenho urbano o Rio aos poucos foi se constituindo de maneira a fortalecer aquelas relações que visava eliminar; as da própria noção de cidade partida. 

O planejamento para os Jogos Olímpicos é criterioso e segue muito bem. Ele é rigoroso, mas não é rígido - é flexível, aberto a inovações e a soluções ousadas e criativas. Está no nosso DNA, é só checar a história. A cidade do Rio já desmontou morros e com a terra fez aterros e aeroportos, construiu parques, abriu avenidas, redesenhou paisagens, edificou estátuas a 700 metros do nível do mar, uniu morros com bondes, afastou o mar e fez a maior obra paisagística do mundo: o Parque do Flamengo.

Aqui demonstra um pouco do dito anteriormente, acho incoerente falar com orgulho de questões ambientais absurdas como o desmonte do morro do Castelo, um caso ímpar no mundo, o Rio de Janeiro pôs abaixo um de seus marcos fundamentais em pró de um determinado progresso, não nego a beleza e importância do Parque do Flamengo, ou do aeroporto Santos Dumont ou outras grandes obras, porém devemos lembrar que outras soluções são possíveis sempre, outros traçados, outras formas de organizar a cidade. Claro que é dificílimo comparar toda uma forma de vida que nos acostumamos a levar dentro do mundo construído no qual vivemos com um mundo que só temos em projetos e pensamentos, isto serve também para o que está sendo proposto pela prefeitura hoje, as gerações futuras não sentirão o impacto que nós sentiremos com tais mudanças na cidade, o que nos assusta porém é a ausência do debate sobre as outras soluções possíveis.

Concordo com o fato de estarmos vivendo um momento único na cidade, um volume assombroso de dinheiro sendo lançado no Rio de Janeiro,  principalmente devido os mega-eventos, e o que deveria ser o momento correto de repensar a cidade como um todo de forma participativa, tem se tornado o momento das decisões arbitrárias, como passar por cima do IPHAN no caso do Maracanã traçar as BRT sem consulta popular nos bairros por onde ela passará, aumentar o volume de habitação sem modificar a infra-estrutura dos bairros que a recebem,  transformar os bairros mais distantes  em bolsões de pobreza.

O resultado primeiro que vemos é uma cidade mais centralizada e mais condenada a manter-se partida, tendo todos os seus investimentos concentrados em uma só área que se apresentará como o cartão postal do Rio do século XXI.

Os projetos para as Olimpíadas começam a se desenhar com base na premissa fundamental de construção de um legado. Os Jogos devem e vão servir à cidade. E queremos elevar essa capacidade olímpica de transformação à máxima potência. O que estamos propondo em termos de legado é um conceito totalmente novo, que acreditamos ser revolucionário, e cria um novo paradigma para a própria mecânica de produção das Olimpíadas - é a Arquitetura Nômade. Inteligência carioca pura.

Qual o sentido de edificar um prédio para ser usado por, no máximo, 30 dias? Ou de construir um espaço esportivo com número máximo de assentos necessários para o período de pico de lotação que, passado esse período, não conseguirá manter nem metade do público? Ou ainda projetar uma estrutura totalmente desconectada do perfil do bairro? Tamanho e localização são dois vetores fundamentais nesse processo.

Um aspecto decisivo para a vitória da cidade para sediar os Jogos Olímpicos de 2016 foi a de já ter uma quantidade de equipamentos esportivos. Alguns deles são urbanisticamente regeneradores, como o Engenhão; outros são importantes, mas trazem em si baixa contribuição urbana, como o Parque Aquático Maria Lenk. E se fosse possível fazer com que os prédios andassem, mudassem de formato ou de lugar? Então o velódromo do Parque Olímpico, na Barra, poderia se transformar em um Ginásio Experimental Carioca, em Anchieta. O complexo de tênis poderia virar uma biblioteca na Maré. A arena de lutas poderia se transmutar em um teatro na Região Portuária.

Isso é exatamente o que estamos propondo e queremos fazer. A cidade vai investir em novos prédios para eventual uso esportivo que, passada a utilidade olímpica, vão se reposicionar na cidade e ter sua finalidade convertida em algo que agregue valor e seja realmente útil ao dia a dia e à vida do carioca.

A idéia da multi-funcionalidade da edificação é interessante, conversão dos equipamentos olímpicos em outros tipos de equipamentos também é muito interessante, porém não a consideraria revolucionária. Não consegui ao certo compreender se é por um pensamento superficial ou por uma lógica inteligentíssima de persuasão dos leitores do artigo que o autor sutilmente separa a arquitetura do urbanismo, como se fosse possível separar o projeto e empreendimento arquitetônico de suas relações de diálogo com a cidade, como se fosse simples desmembrar o edifício dos traçados e lógicas urbanas que o conectam.  Assim, o principal que é a reestruturação urbana da cidade para que estes equipamentos se adequem não é pensado no início, exemplo:

-Se eu proponho que um complexo de tênis se torne uma biblioteca na Maré, e pretendo com isso ser revolucionário, não proporia o complexo de tênis na barra da tijuca e depois dos jogos o desmontaria e remontaria em algum lugar da Maré, se quisesse ser revlucionário proporia a inserção do mesmo no Complexo da Maré, direcionando para isso o volume de investimento em infra-estrutura e reformulação urbana necessária para que a Maré esteja incluída na cidade de forma tal que permitisse a nós mostrá-la ao mundo como parte do Rio de Janeiro.  Se passarmos hoje pela Maré o que vemos é o total isolamento do complexo (que em sua maioria não é favela, mas sim programas habitacionais governamentais ) do contexto da cidade, que para esta olimpíada ganhou uma roupagem nova (placas que tampam sua visibilidade pelos passantes das linahs vermelha e amarela).

Assim penso, que a situação apresentada como inovadora pode ser apenas uma resposta paleativa a um problema maior que o Rio de Janeiro poderia ter resolvido com o potencial econômico que vem junto com os mega-eventos, que é a questão de sua integração urbana,  o que tem-se visto como proposta é um inchaço no centro urbano de equipamentos e serviços por um lado, e por outro um inchaço de habitação nos subúrbios produzido pela hiper especulação imobiliária que estamos vivendo, sem mudança real da infra-estrutura local. Gera-se assim dois territórios com hegemonia monofuncional, um centro nervoso financeiro e bairros dormitórios, nada que já não povoe nossa história a muitas décadas.

Na década de 30, Le Courbusier já falava em novos modos de construir. Há tecnologia para isso no mercado atual da engenharia civil. O mundo vive um novo limiar para a arquitetura com processos de pré-fabricação digital cada vez mais eficientes e de baixo custo. Não é simplesmente desfazer uma estrutura temporária ao final da competição. Vai muito além. Hoje, é possível desmontar prédios e reerguê-los com novas funções em outros lugares, onde façam mais sentido, em um tempo razoável e com custo otimizado. É possível, e necessário, trabalhar com os conceitos da reutilização de materiais, em projetos de menor impacto ambiental. Modernidade, sustentabilidade e novas tecnologias. Esta que estou chamando de Arquitetura Nômade busca conexões mais sinérgicas com o futuro e com as verdadeiras demandas das comunidades.

Construir de uma só vez é econômico, moderno e sustentável, economizaria a verba pública que será utilizada para a construção – desmonte – reconstrução  proposta  (proposta esta que só tende a agradar empreiteiras que teriam mais trabalho a realizar e mais licitações a ganhar para uma mesma obra) , o impacto ambiental seria estudado apenas uma vez, isto é a reformulação urbana séria, coerente e racional, do tipo façamos bem-feito o que tem de ser feito, isso sim seria pensar a cidade no seu todo e não apenas no momento jogos olímpicos  e direcionados para tal, pensar o que fazer para revitalizar as franjas da avenida Brasil pensar em o que fazer para gerar outras centralidades de ofertas de emprego principalmente para as áreas da zona oeste que hoje estão vendo um adensamento populacional dos mais pobres devido as remoções (a verdadeira arquitetura nômade do rio de janeiro) e ao direcionamento do Minha Casa Minha Vida para faixa de renda de 0 a 3 salários mínimos ser em peso para lá.

Um projeto belo, um projeto tecnológico um projeto inovador não precisa fugir destas questões, a propósito, um projeto realmente inovador para Rio de Janeiro seria justamente um que abraçasse estas questões,  pois abrir vias no centro, expulsar pobres para a periferia e especular as áreas nobres da cidade é o que historicamente sempre foi feito, Pereira Passos, Carlos Lacerda, Cesar Maia,  são exemplos de alguns nomes que já fizeram isso.

A Olimpíada não trata somente de esporte e não é só para o atleta. Ela significa mais equipamentos e serviços públicos de qualidade para a população do Rio. E é justamente por sua abrangência que as Olimpíadas são tão importantes para nossa cidade e foram tão desejadas. O Rio de Janeiro é hoje o centro urbano mais provocador do mundo, e os Jogos de 2016 devem espelhar a nossa ousadia. Afinal, ousadia está no DNA do Rio.

Qualquer mudança urbana de peso como a que estamos vendo vai modificar a forma de viver dos moradores da cidade do Rio de Janeiro, as futuras gerações não vão sentir tanto o impacto que hoje sentimos por fazermos parte das discussões, e será fácil para as futuras gerações preferirem tal solução já estabelecida a outras possíveis soluções de cidade não construídas.  

Assim vamos seguindo, discutindo em bares com nossos amigos e vizinhos se devemos derrubar ou não a perimetral,  cobrir ou não o Cais do Valongo (um marco da história do Rio de Janeiro) remover ou não moradores para o longe,  se os BRTs vão realmente ser úteis ou só vão servir para desconfigurar os bairros por onde cruzam, se tampa ou não as favelas da vista dos gringos.  

Mas se pensarmos por uma ótica darwinista social, talvez sim, esteja no nosso DNA reconfigurar a cidade e deixar aos mais aptos sobreviverem.

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6 Comentários

  1. Parodiando uma propaganda de pneus: "ousadia não é nada sem inteligência". Até quando os prefeitos e governadores dessa cidade vão continuar fazendo de conta que ela se limita aos bairros nobres? Impressionante este discurso "ousado" do nosso prefeitinho...
    Os governantes do Rio de Janeiro deveriam se envergonhar de trazer eventos do porte de uma Olimpiada, de uma copa do mundo para a cidade, enquanto não temos sequer a segurança de andar nas ruas pra ir trabalhar, estudar, fazer as coisas do cotidiano. Enquanto ha tantos problemas de violência, saude e educação. Enquanto os transportes são precarios e insuficientes. Enquanto pessoas não conseguem morar de maneira decente e são desalojadas sem o minimo de humanidade, como se fossem um foco de alguma doença. Enquanto ainda se cobre favelas com tapumes coloridinhos, como se fosse aquela area bagunçada da casa da gente, que se esconde da visita. Etc, etc, etc...
    Ainda ha tantas coisas, e tão mais importantes, fundamentalmente, a se fazer pelo Rio, do que trazer eventos de grande porte pra cidade!
    A unica ousadia que vi nesse texto foi a de propor "enfeites", como aqueles de Natal, que a gente compra novinhos, usamos durante um mês e em seguida acabam dentro de uma caixa, no fundo de um armario ou gaveta, pegando poeira até que, talvez, nos lembremos de reutiliza-los novamente. Mas sempre acaba que temos que comprar um pisca-pisca ou bolinhas novas, porque aquelas ja não estão mais tão boas...

    Boa sorte, Rio de Janeiro.

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  2. para dar um crescimento ao debate, vale a pena ler também o Megaeventos e violações dos direitos humanos no Rio de Janeiro - http://comitepopulario.files.wordpress.com/2012/04/dossic3aa-megaeventos-e-violac3a7c3b5es-dos-direitos-humanos-no-rio-de-janeiro.pdf

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  3. Me lembraram bem e gostaria de deixar uma errata:

    o IPHAN apresentou-se conivente com as obras do Maracanã, mesmo o Maracanã tendo sido tombado pelo patrimônio, não houve uma movimentação do IPHAN contra as ações das obras.

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  4. Luis Carlos Alencar1 de maio de 2012 às 06:07

    Olá, Rodrigo, muito bom seu texto pontuar a necessidade fundamental da participação social nos rumos do planejamento urbano. Penso ser isso condição indispensável para a vida citadina; mais! É impossível existir a construção política de um planejamento urbano democrático sem garantir a plena participação dos que por ele serão atingidos. Apenas ressalvo um conceito equivoca, tanto no texto do prefeito quanto no seu: a cidade jamais foi partida. Grande abraço

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  5. Luis Carlos, gostei desta linha da não utilização do termo cidade-partida. po poderia ter explanado mais sobre isso hahaha, mas vou partir daí como gancho para trabalhar a próxima postagem.

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  6. Rodrigo
    a leitura do seu texto foi importante para a redação da minha peça de teatro A revista do ano - O Olimpo Carioca - revisão cênica dos acontecimentos que marcaram a vida carioca em 2011/2012. Quero convidá-lo para ver - é uma cena musical e cômica em homenagem ao Rio. E contra a ideia de que o Rio é Zona Sul apenas. Vai ser importante para mim saber a sua opinião - você pode ir nos ver no Teatro Clara Nunes? Estamos em cena de quinta a domingo e quero deixar um convite em seu nome, com acompanhante, na bilheteria. Parabéns poir seu trabalho a favor da nossa cidade,
    Tania Brandão

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