OLHAR ENTRE CIDADES

Este é uma poesia do Marcio João, integrante da banda Algoz, do complexo da Maré.

                                          (Marcio João)
Foi o profundo perigo entre ruas,
O drama dum delírio entre veias
Sem razão e tão vazias, tão nuas.
Aventura e vanguarda nas calçadas
Desta cidade de flores sem néctar,
De arte sem festa, de crises lavadas,
E eu, seco e de pétalas infectadas.
O tiro na testa, no beco das vísceras
Que te ofereço como lar, conecta
Meu ar em tuas narinas, num branco
Quase virgem. Ópio denso e lento,
Sangrenta latrina de nossos planos,
Querendo escorrer tal qual acidente,
Olhar fugaz em sertões sem profecia
Onde meus vícios ocorrem e vivem...
Tudo isso fomos, no ontem daquele dia.
Canto judeu por suas veredas nazistas,
Santo negro versus anjo ariano infértil...
Metástase e gritos em ritos monoteístas,
Aos passos lerdos da sacra firma débil.
Pré luta de lida suja sem prazeres reais,
Num pretérito de doenças juvenis,
Nos diz a fome que nos trás a quase paz.
Sou carne do tráfico ácido que dou fé,
Praga mor, amor hostil, sonhos dispersos,
Corte nobre na cela deste precipício,
Palafita equilibrada sob os braços abertos,
Indigno cidadão mendigo, ardor plebeu,
Voz perdida num vasto mar de castigos.
Oposto ao início de tudo, cá estou eu,
Numa estrada descalça e inescrupulosa,
Em busca dum Estado menos idiota,
Pra nós, os bastardos, os sem apelidos,
Sem garantias e sem culpa patriota.
Ingerindo as pedras, furtadas bem cedo,
Que de nada serviu, como vis problemas,
Articulando entre penumbras de medo,
Digerimo-nos assim, em nossos sistemas.
A fragrância fugindo de poros e bueiros,
Seduzindo as nossas tubulações cômicas,
Vem conduzindo o litoral vadio e crítico,
Por condomínios de paredes crônicas
Aonde favelas conservam os lábios,
Onde flanelas conversam com sábios,
Pronde janelas, putas de belas paisagens,
Mentindo serem quadros, imagens cruéis,
Quando até os barcos fogem aos papeis,
Direcionam olhos e dores, tão por assim,
Aos limbos sem fé, sem salários e sem fim.


(23/07/2012)

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