A consciencia Política da Dor

 

Segue abaixo uma carta que vem  das Ruas, Uma manifestação que é fruto da Dor:

 

A consciencia Política da Dor

Por:  Tainá Ribeiro


O atual momento do Brasil é a voz de um povo que quase sucumbiu calado, mas está extremamente cansado. Depois dos navios negreiros e de uma libertação segregadora, o país iniciou uma série de conquistas elitistas.


Nem a popular república de Vargas fora tão social assim. Ainda naqueles tempos o brasileiro seguiu engolido por teorias políticas cheias de belas palavras, de filosofias e discursos que o mantinha excluído de uma efetiva prática social e democrata. Nada do povo, nada pelo povo. Com a instauração da Ditadura, o conglomerado de mudança era coordenado por intelectuais, artistas, figuras estudiosas das academias filosóficas e letradas. Ora, mas quem vai às academias se não aqueles detentores de bens sociais de fato?


Ainda que o movimento das Diretas Já tenha mobilizado uma massa popular digna de belas fotos para os livros de História do Brasil, havia nas camadas de base um descaso cruel com as necessidades básicas que refletem o desejo de todo o ser humano: a dignidade simples da vida.


Foi então que, com a restauração da democracia, a maior bomba nuclear foi lançada no inconsciente coletivo: sabe-se lá quem, como e quando, disseram que o brasileiro é o alienado nacionalista do pão e circo, orgulhando-se de sua cultura a cada fevereiro, com picos elevados de patriotismo e paixão a cada 4 anos.


Um dia o circo chegou no país. Mas o povo, sem pão, rejeitou. O povo, sem saúde para pendurar as bandeiras verde-amarelas nas ruas, gritou de dor. Sem dinheiro para a passagem não dá pra chegar no circo, esse espetáculo armado que não é nosso.


O movimento que se vê hoje é horizontal porque quem adoece, deita. É apartidário porque em anos de teorizações políticas nenhum partido - NENHUM MESMO! - olhou para quem marcava o x nas cédulas, para quem apertava o botão verde nas urnas.


A consciência que toma a massa, a mesma rejeitada em anos de história, vem da carne ferida, da barriga vazia, do filho morrendo onde deveria ser tratado, da mãe com o número do ônibus escrito no  antebraço e sangue escorrendo da vagina.


Tudo aquilo que construiu essa massa foi subvalorizado, vilipendiado, agredido, morto e desaparecido. Os quilombos cresceram e tomaram as matas onde antes cantavam os sabiás. Os índios que colhiam, são recolhidos e enxotados. Quem trabalha passa fome e quem paga, caga. E vai ao circo.


Um dia proferiram a nós que nossa felicidade era o pão e o circo. Mas lona não nos cobre, e o pão ninguém vê. De nosso mesmo, só a dor. Pura e simplesmente dor: de mal saber escrever, de pagar  e caro! - pelo que é nosso de direito, de não ter e nem ser, de ver nossa terra ainda dominada por coronéis com tropas fardadas e novos senhores de engenhos transformando nossa aldeia em máquinas de caça-níquel.


De fato não é uma luta de classes, é uma luta de povo doído, que chora olhando a dispensa vazia. Mesmo que a dispensa seja a do vizinho. Pobre e rico moram na mesma rua. Um fora, no frio. Outro dentro, no vazio.


Enquanto estivermos nas ruas, não estranhe olhar para o lado e ver aquelas figuras intelectualizadas   que conhecem tudo de história e política brasileiras do seu lado, mandando o governo ir se fuder e  chamando a mídia de fascista. Aliás, deixa eu te contar uma coisa: foram eles sempre te recriminaram por você ser pão e circo. Eles não sabem que nós nunca tivemos pão e circo. Eles nunca olharam nos olhos do semelhante. Se ativeram a bandeiras direcionais, achando que oposição era ser canhoto, usando os mesmos velhos clichês da liberdade social que só funcionavam naqueles minutos cedidos pelo Tribunal Superior Eleitoral. E depois, com objetivos alcançados, foda-se você.


E o povo sempre se fudeu em cada objetivo torpe daqueles seres intelectualizados, políticos e bandeirados: ora na abolição da escravatura, ora no Café com Leite, numa outra ocasião com a vassourinha, eles caminharam contra o vento sem lenço e sem documento até atingir alguma coisa Já. Eles, que nos chamavam alienados, vejam só, confundiram comunidade com sociedade.


Ouvi um dia, da minha mãe, que "Se você não aprende no amor, aprenderá na dor".

O povo já amou demais essas figuras líderes, esses seres representativos, as cores e símbolos de políticas ditas sociais. Estamos todos doloridos, tão doentes que criamos símbolos de corpos desaparecidos, de mães sem resposta, de coronéis sem farda, armados até os dentes com materiais não-letais que tentam matar nossa voz. Hoje a dor nos faz questionar a governabilidade dos territórios e dos nossos estados - de espírito. E agora o Estado está sentindo a dor da rejeição, do asco, do descaso com seus entes queridos, da descrença da voz.

Pedimos desculpa, não é vingança. É dor mesmo.

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2 Comentários

  1. Belo texto, o movimento que surge nas ruas na minha opinião pede apenas RESPEITO.
    Respeito por quem trabalha e quer apenas o básico
    Não estamos interessados na quinta economia do mundo e com abismos sociais cada vez mais profundos.
    Países com uma economia infinitamente menor como Uruguai e Chile tem essas conquistas há décadas..Não se pede muita coisa, apenas o básico: Transporte público decente, Saúde, Segurança e Educação.

    RESPEITO, apenas isso!

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  2. Acho que é um pouco ou muito mais que respeito,
    acho que a gente pede para se auto-representar, buscar novas formas de política.
    Este movimento não está só aqui, ele está mundo a fora e aqui também.

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