Todo Mapa tem um Discurso

             O subúrbio em transe de agosto teve o prazer de proporcionar a seus frequentadores mais uma grande exibição, desta vez o filme Todo Mapa Tem Um Discurso (http://todomapatemumdiscurso.wordpress.com) . É preciso dizer aos leitores, que faz muito tempo que estava desejoso de ver este filme, cujo título instigava conceitualmente.

              A partir de uma experiência cartográfica não demiúrgica, com narrativa ao mesmo tempo leve e didática, o filme põe em questão o mapeamento, o terrritório, a identidade e a potencialização de um determinada população, que vivendo a falsa dicotomia da cidade partida, elabora um levantamento espacial para além dos modelos tradicionais, explorando as realidades de apropriação e afetividade do lugar em que residem. O filme discute a cartografia e é ao mesmo tempo cartográfico, mapeando por narrativas, grupos que atuam na luta pela valorização do lugar e por direito a cidade.

            Concomitantemente, os sujeitos do lugar constróem seus próprios mapas e desconstróem a relação naturalizada que temos com as cartas, tiram-na das mãos do dominante, até então o único representante legítimo a mapear, e trazem para si este direito, inserindo nos mapas da cidade seus territórios, até então considerados como “vazios cartográficos”. O mapeamento cartográfico é “um agenciamento maquínico”, dinâmico e produtivo.

           O filme é por sua vez rico e imprensindível a quem se dedica a debater a cidade, suas apropriações e relações, também é fundamental aqueles que vivenciam as áreas periféricas, muitas vezes estigmatizadas pelo olhar unilateral que a descreve.

            Abrindo-se o debate, foi posto em questão a relação entre o mapeamento e a integração no sistema como uma problematização, devido a perda da singularidade e do direito ao nomadismo a partir do reconhecimento destes territórios. A questão centraria-se em compreender se a existencialidade de uma singularidade no vazio cartográfico invisível aos olhos maquínicos do sistema seria mais potente a ações revolucionárias ou rupturas mais bruscas que caminhem a novos paradigmas do que  a inserção do território como elemento de subjetividade e afetividade agindo nas lutas identitárias periféricas por melhorias.

           Em um olhar mais geral talvez o debate siga sem resposta definida, porém no que remete a favela e outras periferias, mesmo estando invisíveis no mapa, as mesmas nunca estiveram de fora dos processos da cidade, são parte intrinseca na relação de exploração e mais-valia urbanas, a favela é a cidade que a cidade esconde, e talvez por este perspectivismo, se tornar visível é uma ferramenta de luta.

           Neste sentido e nesta conjuntura, os mapeamentos periféricos se tornam um discurso próximo ao dois lados, ao mesmo tempo que serve ao poder, que enxergou o interesse no território para além do policialesco militar, serve ao morador local que a partir deste é capaz de se mostrar e se inserir geo-politicamente na cidade. E nisto o filme é muito feliz em mostrar a capacidade do morador se inserir socialmente a partir de sua própria narrativa, e não a partir da narrativa do poder. O mapa deixa de ser um objeto pensado por um sujeito e passa a ser um campo de relações e disputas de forças pulsantes onde o sujeito e o objeto se complementam na produção da própria vida.        

            Esta foi uma dentre as muitas reflexões possíveis que o filme nos deixa, por isso, este não é um filme passível de ser visto apenas uma vez, deve ser visto, revisto, degustado em cada momento e posto em debate a cada cena. Sem dúvidas recomendamos o filme a todos.

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