Os Amantes
A princípio vemos uma típica burguesa (Jeanne Moreau) em sua rotina familiar, exibindo-se à alta burguesia com sua amiga afetada pelos manejos e trejeitos do meio (Judith Magre), diálogos pré-moldados, convenções e formalidades que pertencem ao seu mundo existencial. Logo, aquilo que parecia ser um típico dia de uma família burguesa de Paris, transforma-se num dia repleto de encontros inusitados. Após ter o seu carro quebrado ela acaba encontrando um sujeito avesso ao seu mundo de convenções e trejeitos (Jean-Marc Bory), um arqueólogo à procura de seu professor recluso, que a surpreende pela espontaneidade e autenticidade de suas ações, convidando-o a se reunir com o grupo de amigos que passaria o domingo na casa de seu marido, um rico e enfadado comerciante francês (Gaston Modot).
Por aquela noite ela abandona tudo, a família, a casa, os passeios ao jóquei, os chás nos jardins encantados da burguesia parisiense. Ela e o desconhecido prosseguem sem destino rumo ao novo, a relação entre os dois é tão intensa que as palavras perdem o sentido, mas a cada palavra pronunciada um novo mundo se revela, uma nova perspectiva. As horas parecem eternas, as paisagens e as pessoas à sua volta ganham um novo sabor. O cineasta cria conosco uma imagem cujo abismo é sentido por todos aqueles que assistem ao filme, assim como pelas personagens que vivenciam a situação, perdidas de antemão pelo amor, abandonados ao acaso. Personagens cuja situação fugiu ao seu controle.
O sentimento entre os dois é tão intenso que naquele momento tem-se a sensação de que tudo pode acontecer. Tudo parece tão incerto, tão perene, cada gesto é sentido ao infinito. Não há um rumo definido, uma rota certa, a única coisa que os mantém é o amor, o único laço que eles conhecem foi estabelecido naquela noite de luar, naquele momento único e inatingível. A imagem se abre ao inesperado.
O filme de Louis Malle é uma obra-prima, pois nos leva a regiões que não conhecíamos antes, ou pela qual já passamos, mas estávamos muito ocupados com os utilitarismos mundanos que nos cerca. É o tipo de filme do qual não queremos sair, ao contrário, queremos que ele continue, que aquela última cena se estenda ao seu limite, que se eternize em nossas mentes, em nossos corpos. Quanta beleza pode produzir o cinema, ou melhor, a vida.
Vladimir Santafé
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