À essa altura a maioria das pessoas já deve saber a notícia da morte da auxiliar de enfermagem Cláudia da Silva, 38 anos, e suas circunstâncias trágicas.
Uma sociedade capaz de produzir um polícia que protagoniza
cenas como essa deve ser questionada como um todo. Como é possível que algo
assim aconteça? Quão mais longe prosseguiremos na barbárie? Até quando durará a
anestesia que nos permite seguir normalmente depois de ver algo tão grotesco? Uma
coisa é certa: esses policiais não vieram de Marte num disco voador, eles
nasceram e cresceram aqui, são fruto de nossa sociedade, assim como nossos
políticos, traficantes, assassinos e ladrões acorrentados à postes. Essa cena é
produto da sociedade doente em que nascemos, crescemos, e que todos nós, em uma
medida maior ou menor, contribuímos para que venha se perpetuando.
No entanto, o vislumbre do todo não pode ser justificativa
para abandonar a visão dos problemas menores que o formam, problemas mais
imediatos, e por isso mesmo de resolução mais fácil em curto prazo. Os
policiais envolvidos devem ser punidos e o comandante geral deveria ser, no
mínimo, convocado a prestar esclarecimentos públicos sobre o comportamento
infame desses seus comandados. E como todos sabemos, mas é sempre importante
frisar: essa cena é apenas a "cereja do bolo" de atrocidades que a
PMERJ pratica normalmente; a cena é chocante, mas infelizmente não é
surpreendente, e também não é surpreendente que seja protagonizada por
policias. Uma polícia preconceituosa e racista, onde os "erros de
conduta" ocorrem, via de regra, contra pobres e negros. Como resume muito
bem uma frase que circula aí pelas redes sociais, "não existe bala perdida
em bairro rico". No caso da morte de Cláudia não se pode afirmar que houve
a intenção de arrastá-la por parte dos policias, mas podemos afirmar com
certeza que houve no mínimo negligência e displicência. Um branco morador de
bairro rico receberia o mesmo tratamento?
E nesse cenário trágico há uma peculiaridade estarrecedora. Basta
uma olhada rápida no perfil físico dos praças (policiais militares de patentes
mais baixa) para perceber que a maioria é de negros e pardos; uma análise um
pouco mais profunda nos dados desses policias decerto revelaria que são, em sua
maioria, oriundos de bairros pobres, periféricos ou mesmo de favelas. Muitos
deles, quem sabe, precisam esconder a própria profissão no lugar onde moram.
Então, essa polícia formada de negros e pardos de classe sociais menos
abastadas é a mesma que desrespeita, fere e mata diariamente pessoas negras e
pardas de classes sociais menos abastadas. É pobre contra pobre, negro contra
negro, amigo contra amigo, irmão contra irmão. Até quando?
Acordem, praças da PMERJ! A melhoria da sociedade passa por
uma profunda reforma na segurança pública, e a reforma da segurança pública
passa por vocês. Acordem, praças da PMERJ! Enquanto vocês estiverem
embriagados na ilusão do poder de dar uma "carteirada", vestir uma
farda ou portar uma arma vocês não serão nada além dos patéticos cães de guarda
dos canalhas que vos oprimem. Enquanto vocês acatarem as ordens de
desrespeitar, ferir e matar pessoas que compartilham com você a mesma origem
humilde e a mesma cor de pele vocês serão apenas fantoches na mão daqueles que
dificultam ainda mais a vida do pobre, serão apenas fantoches daqueles que fizeram com que vocês considerassem uma
opção válida essa carreira de arriscar a própria vida por um salário irrisório.
0 Comentários